Esta, como podem imaginar pelo título, não é uma história tão bonita, mas a realidade é mista entre o belo e o horrendo e aqui irei mostrar ambos.

Era meu primeiro ano como especialista em neurologia, em uma cidade na época bastante sexista e onde havia diversos neurologistas e neurocirurgiões mais antigos, é claro.

Estava atendendo em uma das clínicas populares das quais eu fazia parte quando chamei um senhor de 64 anos, estrela do caso de hoje, para ser atendido.

Ele entrou em companhia de seu filho, e logo foi dizendo:

”não queria ter vindo e quem me obrigou foi o meu filho, até porque ninguém descobre o que eu tenho’’.

Pedi permissão para que me deixasse tentar entender o caso para que, quem sabe, descobriremos juntos o que ele tinha.

Após alguns resmungos, enfim cedeu.

Havia alguns meses que um olho não acompanhava o outro me disse ele.

Ao examiná-lo percebi ao que ele estava se referindo: existia de fato uma paralisia de um dos nervos do olho direito, e isso impedia que ele fizesse o movimento de acompanhar o olhar, como normalmente o fazemos.

Questionei quais os exames ele já havia feito e ele prontamente debochou dizendo que todos,

‘’absolutamente todos, já pedidos pelos melhores neurologistas da cidade, e já fui em 8 deles’’.

O filho então me mostrou os exames já então realizados, e vi que faltavam alguns simples, de sangue, pois uma das causas possíveis daquele quadro em específico seria sífilis, doença sexualmente transmissível e que inclusive seria uma causa a qual possui cura.

Expliquei o pedido e o paciente se manifestou ofendido.

Mostrei que não era algo pessoal, e que fazia sim parte da investigação, independente de quem estivesse à minha frente como paciente.

Embora relutante, fez a coleta (a pedido do filho).

O resultado foi positivo para sífilis.

Paciente se negou a fazer restante dos exames após este resultado positivo, porém diante do quadro clínico indiquei que o tratamento aqui idealmente seria fazer medicação no hospital (endovenosa).

Ele tinha um convênio que eu não possuía, então consegui que ele internasse no hospital com outro colega justamente para ele e a família não terem custos extras. Fui visitá-lo algumas vezes, e sempre a enfermagem se queixava dos maus tratos que o paciente exercia com as mulheres da equipe, chamando-as de vadias.

Sim, os homens eram poupados, mas não as enfermeiras.

Enfim o paciente melhorou, finalizou o tratamento e suas palavras a mim direcionadas foram as seguintes:

‘’Tá louco. 8 neurologistas homens perderam para uma mulher’’.

Pedi que seguisse o acompanhamento ambulatorial com o colega (de sexo masculino) para o qual havia feito a internação.

Era preferível assim, afinal o quadro estava resolvido: meu papel eu havia feito.

E foi a partir daí que firmei minha ideia de ter sempre pacientes, nunca clientes. Significa que a relação deve ser positiva, e baseada no verdadeiro ato de cuidar e não baseado em ofensas e desgaste emocional (de qualquer lado que for).

Acredito que este seja o mínimo, por respeito a mim e por todas as demais vadias deste mundo.