Mulher de 33 anos na época veio até o ambulatório de dor geral pois ela apresentava sensações como queimação e peso nas pernas, nada mais.

Sob que circunstância ela sentia isso?

Após ter tido que amputar dedos dos pés.

Como assim?

Essas eram as sensações mais próximas que ela sentia de dor.

Isso acontecia por uma doença rara, um diagnóstico já confirmado, que ela apresentava desde os 13 anos de idade: hereditary sensory and autonomic neuropathies (HSAN).

Uma doença em que há uma redução importante na capacidade de sentir estímulo doloroso e de temperatura também, como no caso dela.

Claro que por ser uma condição bastante incomum fiquei curiosa e questionei mais sobre a vida dessa mulher e o impacto da doença sobre ela.

A paciente me explicou que quando criança havia quebrado o braço, mas como não sentiu nada, sua mãe só percebeu no dia seguinte quando notou que estava estranho o formato do bracinho (havia uma deformidade pela fratura).

Alem disso, a recuperação era mais lenta pois afinal de contas não havia a dor para lembrá-la de evitar alguns movimentos ou posições (como dormir sobre o membro afetado).

O caminhar dela nitidamente era alterado.

Imagine você desde o nascimento não ter nenhuma referência para saber o que é a dor, algo que seria fundamental para o nosso aprendizado de desenvolvimento.

O fato de ela não sentir desconforto fazia com que muitas vezes, por não saber como andar de forma correta, se machucasse (em especial os dedos dos pés) sem sequer perceber. Isso a levou a lesões, e infecções, algumas vezes vistas tardiamente a ponto de a única solução ser a amputação dessas partes feridas.

Ela teve uma filha, e optou por parto vaginal (parto normal), mas não sentiu as contrações e a médica obstetra quem teve de informar a ela quando deveria ou não fazer força para a vinda de sua bebe.

Além disso, sempre que tinha de dar banho na pequena, o termômetro era seu maior aliado. Afinal, não sentia bem a temperatura da água e temia, com razão, pelo risco de queimar a criança.

Fiquei muito reflexiva após aquele atendimento.

Sempre atuei muito com o tratamento da dor alheia, mas fui aprender na prática  (neste dia que aqui lhes citei) sobre a repercussão da ausência de dor.

Foi esta data, esta paciente que me fez perceber a complexidade do nosso corpo, e o quão importantes são seus mecanismos de alerta.

A mulher sobre a qual falamos não sabia o que era dor, mas isso também significava e gerava um sofrimento maior.